Memória
História
ANTES DA UNE
O primeiro curso superior do Brasil foi criado em 1808, com a chegada da família real portuguesa ao país. Durante todo o século 19, o ensino superior brasileiro esteve restrito a uma parcela extremamente limitada da população, com raras instituições no país. No entanto, logo no início do século 20, com o crescimento da industrialização e das cidades, os estudantes também cresceram em número e importância.
O movimento estudantil tem seus primórdios em 1901, quando é criada a Federação dos Estudantes Brasileiros, entidade pioneira que teve pouco tempo de atuação. Já em 1910 é realizado o I Congresso Nacional de Estudantes, em São Paulo. O rápido aumento do número de escolas, nas primeiras décadas do século, acompanhou também a rápida organização coletiva dos jovens, que desde o início de sua atuação estiveram envolvidos com as principais questões do país.
A partir da Revolução de 1930, a politização do ambiente nacional levou os estudantes a atuar firmemente em organizações como a Juventude Comunista e a Juventude Integralista. A diversidade de opiniões e propostas crescia, assim como o desejo em formar uma entidade única representativa, forte e legítima para promover a defesa da qualidade de ensino, do patrimônio nacional e da justiça social.
FUNDAÇÃO DA UNE E PRIMEIRAS LUTAS
No dia 11 de agosto de 1937, na Casa do Estudante do Brasil, no Rio de Janeiro, o então Conselho Nacional de Estudantes conseguiu consolidar o grande projeto, almejado anteriormente algumas vezes, de criar a entidade máxima do estudantes. Reunidos durante o encontro, os jovens batizaram a entidade como União Nacional dos Estudantes. Desde então, a UNE passou a se organizar em congressos anuais e a buscar articulação com outras forças progressistas da sociedade. O primeiro presidente oficial da entidade foi o gaúcho Valdir Borges, eleito em 1939.
Os primeiros anos da UNE acompanharam a eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Os estudantes brasileiros opuseram-se desde início ao nazi-fascismo de Adolf Hitler, pressionando o governo do presidente Getúlio Vargas, e chegaram a entrar em confronto direto com os apoiadores do fascismo, os integralistas, que buscavam maior espaço para a ideologia no país.
No calor do conflito, em 1942, os jovens ocupam a sede do Clube Germânia, na Praia do Flamengo, 132, Rio de Janeiro, tradicional reduto de militantes nazi-fascistas. No mesmo período, o Brasil entrava oficialmente na guerra contra o Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão. Naquele mesmo ano, o presidente Vargas concedeu o prédio ocupado do Clube Germânia para ser sede da União Nacional dos Estudantes. Além disso, pelo decreto-lei n. 4080, o presidente oficializou a UNE como entidade representativa de todos os universitários brasileiros.
ANOS 1950 E INÍCIO DA DÉCADA DE 1960
Após a guerra, a UNE consolidou sua participação e posicionamento frente aos principais assuntos nacionais, fortalecendo o movimento social brasileiro em ações como a defesa do petróleo, que começava a ser mais explorado no país. Após a promulgação da Constituição de 1946, houve um grande debate entre os que admitiam a entrada de empresas estrangeiras para a extração e os que defendiam o monopólio nacional. A UNE foi protagonista nesse momento com a campanha “O Petróleo é Nosso”. A luta prosseguiu até 1953, quando se deu a criação da Petrobras.
Durante os anos 50, houve muita disputa por poder na entidade, um embate diretamente ligado aos principais episódios políticos do país, como a crise política do governo Vargas, que viria a se suicidar em 1954, e a eleição de Juscelino Kubitschek, em 1956. A renúncia de Jânio Quadros, em 1961, e a turbulência acerca da posse do vice João Goulart fizeram a UNE transferir momentaneamente sua sede, em 1961, para Porto Alegre.
Ali, os estudantes tiveram atividade vital na chamada Campanha da Legalidade, movimento de resistência para garantir que Jango fosse empossado. Quando conseguiu chegar ao poder, o presidente foi o primeiro da história a visitar a sede da UNE, no Rio de Janeiro. Desde aquele período, crescia a tensão entre os movimentos sociais e os grupos conservadores da sociedade, entre eles os militares, que tentavam intimidar e coibir as ações da UNE.
Em 1962, a UNE, ao lado de outras instituições e intelectuais brasileiros, formou a Frente de Mobilização Popular. No contexto das reformas de base propostas pelo governo João Goulart, a UNE e a Frente defenderam mudanças sociais profundas no país, entre elas a reforma universitária para ampliar o acesso da sociedade à educação superior. No mesmo ano, a entidade lançou um projeto ousado, a mobilização a partir de caravanas que rodariam o Brasil.
A primeira delas, que aconteceu naquele ano, foi a UNE Volante, que, em conjunto com o Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE, contribuiu para consolidar a dimensão nacional da entidade em todo o território do Brasil. Durante dois meses, a UNE foi ao encontro de estudantes de várias partes do país para debater a necessidade das reformas e entender a realidade brasileira com seus contrastes e potencialidades. Em 1964, o presidente da UNE, José Serra, foi um dos principais oradores do comício da Central do Brasil, que defendia as reformas sociais no país e foi um dos episódios que antecederam o golpe militar.
A DITADURA MILITAR (1964-1985)
A primeira ação da ditadura civil-militar brasileira ao tomar o poder em 1964 e depor o presidente João Goulart foi metralhar e incendiar a sede da UNE, na Praia do Flamengo, 132, na fatídica noite de 31 de março para 1º de abril. Ficava clara a dimensão do incômodo que os militares e conservadores sentiam em relação à entidade. A ditadura perseguiu, prendeu, torturou e executou centenas de brasileiros, muitos deles estudantes.
O regime militar retirou legalmente a representatividade da UNE por meio da Lei Suplicy de Lacerda e a entidade passou a atuar na ilegalidade. As universidades eram vigiadas, intelectuais e artistas reprimidos, o Brasil escurecia. Em 1966, um protesto na Faculdade de Direito, em Belo Horizonte, foi brutalmente reprimido. No mesmo ano, também na capital mineira, a UNE realizou um congresso clandestino no porão de uma igreja. Já no Rio de Janeiro, na Faculdade de Medicina da UFRJ, a ditadura reprimiu com violência os estudantes no episódio conhecido como Massacre da Praia Vermelha.
Apesar da repressão, a UNE continuou a existir nas sombras da ditadura, em firme oposição ao regime, Em 1968, ano marcado por revoluções culturais e sociais em todo o mundo, estudantes e artistas engrossaram a Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro, pedindo democracia, liberdade e justiça. No entanto, os militares endureciam a repressão. Foram marcantes os episódios do assassinato do estudante secundarista Édson Luis e a invasão do Congresso da UNE em Ibiúna (SP), com a prisão de cerca de mil estudantes. No fim do mesmo ano, a proclamação do Ato Institucional número 5 (AI-5) anunciava uma escalada da violência ainda maior.
Nos anos seguintes, a ditadura torturou e assassinou estudantes, como a militante Helenira Rezende e o presidente da UNE Honestino Guimarães, perseguido e executado durante o período de clandestinidade da entidade. Mesmo assim, o movimento estudantil continuou nas ruas, como nos atos e na missa de sétimo dia da morte do estudante da USP Alexandre Vannucchi Leme, em 1973.
Ao final dos anos 70, com os primeiros sinais de enfraquecimento do regime militar, a UNE começou a se reestruturar. O congresso de reconstrução da entidade aconteceu em Salvador, em 1979, reivindicando mais recursos para a universidade, defesa do ensino público e gratuito, assim como pedindo a libertação de estudantes presos do Brasil. No início dos anos 80, os estudantes tentaram recuperar sua sede na Praia do Flamengo, mas foram duramente reprimidos e os militares demoliram o prédio at wpengine coupon.
DIRETAS JÁ! (1984) – FORA COLLOR! (1992)
Com o fim da ditadura civil-militar, o movimento estudantil voltou às ruas para defender suas bandeiras históricas e a consolidação da democracia no país. Em 1984, a UNE participou ativamente da campanha das “Diretas Já”, com manifestações e intervenções nos principais comícios populares daquele período. A entidade também apoiou a candidatura de Tancredo Neves à Presidência da República. Em 1985, foi aprovado pelo Congresso Nacional o projeto, de autoria do deputado e ex-presidente da UNE Aldo Arantes, que trazia a entidade de volta para a legalidade.
Durante as eleições de 1989, a UNE se posicionou contra a candidatura de Fernando Collor de Melo, criticando seu aspecto neoliberal e distante das reformas históricas defendidas pelos movimentos sociais nacionais. Quando o presidente envolveu-se em escândalos sucessivos de corrupção, o movimento estudantil teve papel predominante na mobilização dos brasileiros com o movimento dos jovens de caras pintadas na campanha “Fora Collor”. Em 1992, após enormes manifestações estudantis com repercussão em todo o país, o presidente renunciou ao cargo para não sofrer processo de impeachment pelo Congresso Nacional.
A LUTA CONTRA O NEOLIBERALISMO E AS PRIVATIZAÇÕES
Após as turbulências da redemocratização do Brasil, o movimento estudantil passou a conviver, a partir de 1994, com novos desafios em um período de maior estabilidade política. Durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que ganhou duas eleições seguidas, as principais pautas dos estudantes foram a luta contra o neoliberalismo e a privatização do patrimônio nacional. Foi uma época de embate do governo federal com os movimentos sociais, marcando o período de menor diálogo e negociação da UNE com o Poder Executivo na história, à exceção do regime militar.
A UNE posicionou-se firmemente contra a mercantilização da educação, promovida pela gestão FHC. Durante seu governo, foram privilegiadas as instituições particulares de ensino, com o sucateamento das universidades públicas e atrito constante com professores, funcionários e estudantes das federais de todo o país. Outras bandeiras da UNE foram contra os abusos nas mensalidades do ensino particular e contra o Provão, sistema de avaliação institucional aplicado sobre as universidades brasileiras.
A UNE AVANÇA EM SUAS REIVINDICAÇÕES
O ano de 1999 marca a retomada do trabalho cultural da entidade com a realização da 1ª Bienal da UNE. No mesmo ano, o presidente cubano Fidel Castro participa do congresso da UNE em Belo Horizonte, no ginásio do Mineirinho. Já em 2001, é lançado o Circuito Universitário de Cultura e Arte (CUCA) da UNE.
Em 2002, uma grande coalizão das forças populares e democráticas do Brasil conduziu o metalúrgico e sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência do país. Os estudantes apoiaram a candidatura Lula, no segundo turno, após um plebiscito nas universidades. Durante a gestão do novo presidente, que também seria reeleito, os estudantes reabriram o canal histórico de interlocução com o governo federal. Assim como Jango, Lula, por duas vezes, visitou pessoalmente a sede da UNE na mesma Praia do Flamengo, 132.
A UNE avançou em suas reivindicações, defendendo a reforma universitária, com aumento do acesso e permanência dos jovens brasileiros no ensino superior. Em 2004, foram realizadas duas caravanas da UNE por diversos Estados do país levando aos estudantes temas como a própria reforma e também a cultura. Foram elas a “Caravana UNE pelo Brasil” e a “Caravana Universitária de Cultural e Arte – Paschoal Carlos Magno”.
O resultado da atuação da entidade e do debate sobre a reforma foi a criação, junto ao governo federal, de programas como o ProUni, que garante bolsas em universidades particulares para estudantes de baixa renda, e o Reuni, programa de expansão das vagas em universidades públicas. Em 2005, o estudante paulista Gustavo Petta tornou-se o primeiro presidente da UNE a ser reeleito.
A UNE VOLTA PRA CASA
Em 2007, após uma grande manifestação no Rio de Janeiro, os estudantes ocuparam o terreno de sua antiga sede, na Praia do Flamengo, 132, que havia sido demolida pela ditadura militar e estava sendo usada por um estacionamento clandestino. Após a ocupação e com a montagem de um acampamento que se prolongou por meses, a UNE ganhou na Justiça a posse do local e, alguns anos depois, o reconhecimento unânime do Congresso Nacional de que o Estado brasileiro tinha uma dívida com os estudantes pela invasão, incêndio e demolição da sua sede. Em 2010, um dos últimos atos do presidente Lula no cargo foi inaugurar, no local, a pedra fundamental para as obras de reconstrução do prédio da UNE.
> Assista ao vídeo que mostra como foi a retomada da Praia do Flamengo, 132:
AS LUTAS DO SÉCULO 21
Neste novo milênio, a UNE diversificou as suas linhas de atuação. Desde 2009, a entidade se mobiliza em grandes Bienais, que valorizam áreas como a cultura, ciência e tecnologia e esporte. Além disso, a entidade se organiza atualmente em movimentos de estudantes negros, mulheres, gays, lésbicas, entre outros grupos. Em 2008, a UNE realizou mais uma caravana nacional, desta vez pautando também temas como a saúde e qualidade de vida da população jovem brasileira. No plano internacional, entidade tem papel central na Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes (Oclae), integrando suas lutas às dos jovens dos demais países do continente.
Em 2010, a UNE apoiou no segundo turno, após consulta à sua diretoria, a candidatura de Dilma Rousseff, ex-militante estudantil que se tornou a primeira mulher presidente do Brasil. Uma das conquistas próximas desse período foi a aprovação da PEC da Juventude no Congresso Nacional, incluindo na constituição brasileira garantia maior para os direitos dessa parcela da população.
A UNE ampliou as suas tradicionais Jornadas de Lutas, com a integração aos diversos grupos de juventude dos movimentos sociais brasileiros, aumentando seu volume nas ruas por bandeiras como o passe livre nos transportes, a democratização dos meios de comunicação e o fim do extermínio da população jovem negra nas periferias.
Em 2013, o movimento estudantil teve participação central na histórica onda de manifestações brasileiras, a partir do mês de junho, reivindicando mais direitos e mudanças na estrutura da sociedade. Como desdobramento desse processo, a UNE desenvolveu lutas como a defesa da desmilitarização da Polícia Militar no Brasil e da reforma política no país, com o fim do financiamento de empresas a campanhas como principal reivindicação.
Em 2014, a UNE apoiou no segundo turno, após reunião com a presença de centenas de lideranças representando as principais entidades estudantis do país, a reeleição de Dilma Rousseff para a presidência da República.
Em 2015, mostrando o vigor do movimento estudantil e a sua diversidade de lutas e pautas, a UNE realiza uma das maiores edições do seu festival, a 9ª Bienal, que retornou para o Rio de Janeiro e ocupou o tradicional e histórico bairro da Lapa, com atividades no Circo Voador, Fundição Progresso e shows abertos no palco livre dos Arcos.
> Assista ao vídeo dos últimos dias da 9ª Bienal da UNE:
10% do PIB PARA A EDUCAÇÃO
Neste início de século 21, a principal luta da UNE e do movimento estudantil tornou-se a melhoria da educação pública de qualidade no país.
O ProUni, o Fies e a Lei de Cotas foram a porta de entrada, em faculdades privadas e federais, de milhões de estudantes oriundos da escola pública, em sua maioria negros, pardos e indígenas, historicamente excluídos do ambiente acadêmico.
A UNE lutou muito e conquistou, em 2014, a aprovação do Plano Nacional de Educação com garantia do investimento de 10% do PIB para o setor. No mesmo ano, também foram obtidas a destinação de 75% dos royalties do petróleo e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para a educação. Agora, a entidade está na linha de frente pela implantação efetiva de todas as metas do plano em todo o território nacional e dentro dos prazos estipulados.
Atualmente, a UNE se mobiliza pela criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior (Insaes), para que o Estado brasileiro possa fiscalizar as instituições de ensino com mais rigor e eficiência. Outras importantes campanhas são “Quem Entrou Quer Ficar“, que defende a expansão da assistência estudantil; e a “Educação Não é Mercadoria“, que pede a redução do reajuste da mensalidade das universidades particulares para o índice da inflação e o combate à desnacionalização do ensino superior.