Memória
Praia do Flamengo 132
UNE e Niemeyer: uma relação gravada no tempo
Maior arquiteto brasileiro projetou a nova obra da sede da entidade
Defensor histórico da juventude e do movimento estudantil, Oscar Niemeyer (1907-2012) deixou um legado inestimável para atuais e futuras gerações de brasileiras e brasileiros.
A união da UNE com o lendário arquiteto fez nascer, no Rio de Janeiro, a ”casa dos sonhos invencíveis”, o novo prédio da entidade, que contará com museu e memorial das lutas dos estudantes em diferentes momentos da história.
Em agosto de 2012, a UNE comemorou o seu aniversário de 75 anos com o início oficial das obras no endereço da Praia do Flamengo, 132.
Os traços do projeto foram gentilmente doados por Niemeyer, um grande presente aos estudantes e ao Rio de Janeiro.
Um dos episódios mais lembrados da última ditadura militar (1964-1985) foi o incêndio da sede da UNE, logo no primeiro dia do golpe: 1o de abril de 1964.
Estudantes passaram a ser perseguidos, torturados e mortos. Transformaram-se em alvo do regime, que queria calar todas as vozes que clamavam mudança. No início dos anos 80, para concluir o serviço sujo, os militares demoliram o prédio.
Em 1982, Niemeyer desenhou uma nova sede para a UNE, acreditando no retorno da juventude ao espaço. A história da reocupação, porém, só voltaria a ser escrita bem mais tarde.
NA TRILHA DA RETOMADA
No ano de 2000, o então presidente da UNE, Wadson Ribeiro, encabeçou uma grande luta com o governo do Rio de Janeiro pela retomada do terreno.
“Marcamos uma reunião com o governador Anthony Garotinho solicitando a devolução aos estudantes. Ele nos perguntou se trazíamos um projeto. Dissemos que sim, e que, curiosamente, era do Niemeyer. Porém, o projeto feito nos anos 80 não estava mais conosco”, lembra Wadson Ribeiro.
No dia seguinte, os jornais cariocas questionaram o arquiteto sobre o projeto. “Ainda não fui contatado, mas, se for, terei o maior prazer em refazê-lo”, respondeu Niemeyer na ocasião. Nascia ali o segundo projeto do maior arquiteto brasileiro para a UNE.
“Niemeyer foi super receptivo conosco. Pedimos desculpas por ter utilizado o nome dele para conseguir a retomada com o governador e ele entendeu nosso propósito. Em 2001 já exibíamos na nossa 2ª Bienal, no Rio de Janeiro, a maquete com os novos traços. E o melhor: ela foi apresentada aos estudantes ao lado de seu criador”, conta Wadson.
Mesmo com o projeto em mãos, havia mais luta pela frente, pois o terreno ainda não havia sido devolvido aos estudantes. Somente em 2007, com uma grande passeata realizada no encerramento da 5ª Bienal da UNE, a retomada do espaço se tornou realidade. Estudantes derrubaram portões e voltaram ao seu lar histórico.
Neste mesmo ano, em meio às comemorações dos 70 anos da entidade, Niemeyer deu mais um presente aos estudantes, naquela vez com uma versão atualizada de seu projeto.
“Esse foi, sem dúvida, um dos momentos mais marcantes de nossas vidas. Além da simplicidade e da gentileza de nos ter cedido novamente esse projeto, Niemeyer mostrou-se um gênio. A UNE e a juventude receberam esses traços gratuitamente. Com certeza, é algo que ficará para a história dos estudantes”, afirma Gustavo Petta, presidente da entidade na época.
DE 2007 AOS DIAS ATUAIS
Presidenta da UNE após a gestão Petta, a gaúcha Lúcia Stumpf lembra um dos momentos mais marcantes de sua gestão, quando recebeu o novo projeto das mãos de Niemeyer.
“A reconstrução do prédio é uma conquista não apenas dos estudantes, mas de todo o povo brasileiro. É dever do Estado reparar os danos causados aos estudantes pelo regime militar, que incendiou e demoliu o espaço da Praia do Flamengo, 132. Os traços de Niemeyer pretendem apagar de vez os resquícios da ditadura”, diz Lúcia.
Em 2009, em seu 51º Congresso, a UNE elegeu o paulistano Augusto Chagas como novo presidente. No ano seguinte, Augusto teve a oportunidade de se encontrar com o arquiteto e então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
Esse encontro histórico ocorreu durante o lançamento da pedra fundamental da nova sede da UNE. O Congresso Nacional havia aprovado por unanimidade a lei indenizando a UNE pela perseguição sofrida na ditadura.
Augusto rememora a disposição de Niemeyer na ocasião “Por mais que tivesse suas dificuldades pessoais, ele não deixava de ir a nada relacionado à UNE”, lembra. “Foi uma pessoa genial e de condutas muito fortes”, completa Augusto.
MÃOS À OBRA
A nova sede da UNE terá um anfiteatro, dois cinemas, um espaço multiuso, um museu, uma livraria e um café. A ideia é que o espaço seja ocupado pela classe artística e intelectual do Rio de Janeiro e do Brasil, resgatando a experiência do CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE, que nos anos 1960 reuniu figuras como Vinícius de Moraes, Arnaldo Jabor, Cacá Diegues, Ferreira Gullar e Carlos Lyra.
O novo prédio da UNE terá a certificação ambiental LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), a ferramenta de maior reconhecimento mundial quanto ao grau de sustentabilidade e eficiência.
A construção ganhará uma cobertura verde, bicicletário, ar condicionado tecnologia que possibilita economia elétrica de até 40%, sistema de água reutilizada para irrigação do jardim e do telhado verde, sistema de esgoto a vácuo reduzindo o consumo e vidros de controle solar seletivos, temperáveis, com baixo fator solar e alta transmissão luminosa. É esperar para ver!